Sobre homens e celas (Vivência)

11:08

Por Priscila Gama

Olhares que perseguem passos, passos que espreitam olhares, cochichos ao pé do ouvido, receio expresso à flor da pele suada, pingando angústia pelos póros enquanto adentramos a um novo mundo.

Somos estranhos nesse ninho de pássaros enjaulados. A sensação é mesmo esta: jaula. Os homens aqui são “desprovidos de asas, possuem vida, mas não sabem”.

O odor que circula pelos corredores é de sujeira, comida estragada, comida sendo preparada, suor, exclusão, punição, pena! Pena que perdura até descobrirmos suas histórias, o por que de estarem nesse lugar.

Estamos na CCPJ, uma visita, uma descoberta e “um calor gélido e ansiado permanece na boca do estômago, uma sensação de: o que é mesmo que se passa? Um certo estado de humilhação conformada”.

Manuscritos de presos indignados, outros apaixonados, alguns vingativos, dão alma às paredes do presídio. Tudo aqui parece ter vida, tudo parece gemer e gritar, anseio de liberdade imerecida, desejo de dignidade dispensada.

Segredos vão sendo desvendados. Sabe aquela cela 1? Diz um agente carcerário - “É de estupradores, eles não podem ficar com os outros (...) aquele rapaz de cabelinho encaracolado e olho azul já matou 6 mulheres. A última ele estuprou, matou, esquartejou e queimou”. Pausa para o pasmo, arrepios e até choro de alguns mais sensíveis. “Quero sair daqui” disse uma colega.

Mas é preciso abandonar o medo e o preconceito para percorrer estas celas, e assim, descobrir talentos, ouvir lamentos, saber de vidas estranhas, vidas humanas, que no estado em que se encontram, dificilmente encontrarão um caminho de reabilitação, já que a estrutura do presídio nem de longe oferece saída e dignidade àquele que comete crimes.

CCPJ – A que se destina?

A prisão, do ponto de vista sociológico, é um reflexo do poder soberano do Estado, constituindo-se num instrumento de controle social. Acerca da sua existência como manifestação do poder, Foucault afirma que “Prender alguém, mantê-lo na prisão, privá-lo de alimentação, de aquecimento, impedi-lo de sair, de fazer amor, etc., é a manifestação de poder mais delirante que se possa imaginar. (...) A prisão é o único lugar onde o poder pode se manifestar em estado puro em suas dimensões mais excessivas e se justificar como poder moral”.

Segundo Capez (2002), o preso provisório é aquele que teve sua liberdade de locomoção despojada sem sentença penal condenatória transitada em julgado, ou seja, aquele que aguarda julgamento do seu processo recolhido à prisão. Esta provisoriedade se manifesta como medida cautelar necessária para se atingir os fins colimados pelo Estado.

Não é bem o que acontece na CCPJ. Aqui tem condenados de justiça dividindo espaço com presos provisórios, em total desacordo com a lei vigente.

Urge frisar que nesse panorama se desenvolve um sentimento de injustiça nos presos que não são assistidos adequadamente pelos familiares ou advogados, bem como a ansiedade de vê-se julgado, o que às vezes demora o tempo suficiente do cumprimento da pena em abstrato.

Emerge assim a necessidade da implementação de cadeias públicas capazes de manter presos provisórios até a sentença penal condenatória com trânsito em julgado, em acordo com o princípio constitucional da presunção de inocência, bem como condição precípua para a harmônica integração social desejada pela lei de execução penal. Apesar da possibilidade da custódia do preso provisório em penitenciárias, não é socialmente adequada à convivência coletiva destes com presos condenados, o que nas condições atuais vislumbra-se inevitável.


Referencia poética: “A Metamorfose ou Os Insetos Interiores ou O Processo” Fernando Anitelli


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