Batismo dos mil

11:02



Por Priscila Gama


Há até bem pouco tempo atrás, a religiosidade era marcada por certo radicalismo. Ser fiel, de qualquer denominação religiosa, teria como princípio estar ligado a uma série de valores éticos, acreditar no sentido da vida, da felicidade, do além, na explicação última da existência humana.


Com o advento da modernidade, entra em cena o mercado religioso, no qual o fiel é transformado em consumidor de bens religiosos, deixando de ser um crente ou fiel de uma instituição e de seus princípios, para se transformar num mero consumidor da religião, satisfazendo suas necessidades pessoais do tipo emocional, existencial ou econômico.


Estes fiéis consumidores procuram a religião para satisfazer alguma carência, não mais para dar sentido a sua existência.


Estamos na Avenida Beira Rio. Ela está lotada. Pessoas chegam correndo, pulando, celebrando com bandeiras e faixas. Elas descem dos ônibus que não param de chegar. Nos pulsos, uma identidade em comum, todos usam uma pulseira vermelha com a seguinte frase: batismo dos 1.000.


Trata-se de um grande evento realizado por uma comunidade evangélica local. O clima é apoteótico. Palco com iluminação e som de qualidade, apresentações de grupos de dança e bandas musicais. No canto direito do palco, duas piscinas. Está tudo preparado. Nesta noite serão batizadas mais de mil pessoas.


Em tempos pós-modernos, a banalização dos rituais outrora seguidos com certa cerimônia, parece normal. Ninguém ali se mostra assustado, a não ser uns poucos curiosos que circulam em meio à multidão de jovens, crianças e adultos que se preparam para descer às águas.


Mas o nosso olhar foca este cenário, e o que observamos neste momento é uma religiosidade sem religião, o sagrado sem referência institucional, uma espiritualidade sem contexto eclesial. Observamos uma religiosidade que retira os mais diversos elementos simbólicos das tradições religiosas e os mistura, recriando simbolicamente novas experiências; em todo canto emerge o sagrado e o reencantamento do mundo, num espetáculo com direito a fogos de artifício, euforia e sincretismo religioso.

*originalmente publicada em "agorabinhi" 18/10/2009

You Might Also Like

0 comentários