Nem toda Maria vai com as outras

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Texto originalmente publicado no jornal O Progresso em 16.12.2007

Há algo que marca nossa gente, que nos torna mais brasileiros: a nossa fé! Falar de fé é sempre um assunto atual. Vivemos em um país marcado por um sincretismo religioso, onde todos têm oportunidade de viver sua religiosidade sem grandes pressões.


É nesse contexto que entram os movimentos neo-pentecostais, essas novas igrejas protestantes que saíram do estereótipo dos templos antigos e passaram a ocupar antigas salas de cinemas, teatros, galpões... Num estilo inovador, os cultos dessas igrejas mais parecem um espetáculo. As atrações vão desde bandas de músicas, encenações teatrais, além dos mais diversos rituais.


Se há uma palavra que pode definir nossa impressão (minha e de meus colegas pesquisadores) ao entrar em uma dessas igrejas, aqui mesmo em Imperatriz, essa palavra é surpresa! Sim, tudo era novo para nós. Foi assim que resolvemos utilizar os conhecimentos adquiridos nas aulas de antropologia e passamos a relativizar.


A partir daí tudo ficou mais claro, como se uma janela se abrisse diante de nossos olhos, antes influenciados por uma visão preconceituosa.


Os fiéis começam a chegar ao templo, semblantes cansados, preocupados, sofridos. São, na maioria, mulheres e idosos. Chegam com umas rosas vermelhas nas mãos, fotografias, sacolas de roupas. O culto começa e as luzes da igreja se apagam. Há uma grande cruz vermelha no centro, onde as pessoas passam e imploram por uma resposta dos céus. Os pastores reforçam a fé dos fiéis com palavras de ânimo e força.


Algo nos chama a atenção, eles parecem brigar com Deus, não são abnegados. Gritam: “Deus, eu te desafio! Eu exijo!” São ousados na oração. Testemunham milagres, cura de enfermidades, quitação de dívidas. Falam do poder da rosa ungida, que para eles simboliza Jesus, a rosa de Sarom. A impressão que nos dá é que Deus está ali apenas para atender aos seus desejos, sem receber nada em troca a não ser a fé. Isso a princípio, porque mais tarde descobriríamos o preço de tudo isso. Aliás, quem disse que a fé não tem preço?


Ora, se não fora esse o problema que surgira no decorrer da pesquisa, quando já éramos freqüentadores assíduos dos rituais: o débito que contraímos junto a Igreja em estudo que, a cada culto, nos fazia pegar envelopes para depósito de quantias assustadoras para a próxima sessão. O não pagamento destas quantias estipuladas previamente gerava um constrangimento social e colocava nosso grupo em uma situação delicada podendo interromper a pesquisa, ao mesmo tempo em que nos fazia pensar na argumentação de muitos estudiosos de que as instituições sociais compõem um emaranhado possuindo, cada uma, autonomia relativa. Assim, parece-nos ocorrer com a religião e a economia que se encontram sob um mesmo teto transformando o templo de fé numa importante empresa, templo maior da contemporaneidade.


Depois de tudo, débito contraído, pesquisadores sem dinheiro para “contribuir” com as sessões, deixamos de ir ao templo, sem concluir a pesquisa e sem participar das sessões de descarrego, especialmente a nossa colega Maria, participante assídua de todas as sessões, para quem a dívida já acumulava um bom montante. Como nem toda Maria vai com as outras, não pagamos. Partimos e deixamos o templo no lugar onde o encontramos: no meio do comércio imperatrizense. Lugar mais adequado não existiria.


E se fossemos medir o valor de tudo isso, a satisfação com que os fiéis saem do templo, a esperança em cada olhar, concluiríamos que a fé tem preço, sim. E um preço alto! E em verdade, em verdade vos digo: felizes daqueles que podem pagar.

*Texto fruto da pesquisa "Antropologia da Religião" realizada por Priscila Gama, Marizé Vieira, Jenifer Pessoa e Juliana Carvalho, sob a coordenação da Profª Emilene L. Sousa, 2007.

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