Por uma sociedade mais justa

21:51

Príscila Gama

Está nas rodas de bate-papo entre amigos, nos fóruns de discussões das redes sociais virtuais, nos jornais, revistas, nas mais variadas mídias, está na boca do povo. A decisão unanime do Supremo Tribunal Federal em conceder a casais homossexuais os mesmos direitos cabíveis a casais héteros gera por toda parte as mais diversas opiniões.

Dentre os mais inflamados discursos contra, os de cunho religioso. A CNBB - Convenção Nacional dos Bispos do Brasil, entidade Católica, e ainda grupos protestantes, com o apoio de alguns parlamentares chegaram a fazer campanha na finalidade de impedir que a lei fosse aprovada. Após a aprovação, reuniram-se num movimento denominado “marcha pela família” onde além de repudiar a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pronunciaram-se contra as demais medidas referentes à PL 122 em Brasília. Uma caravana numerosa partiu de Imperatriz, reunindo membros de igrejas como Nova Aliança, Shallom e Nova Vida.
Em contrapartida a atitudes como estas, o pastor protestante Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista, manifestou-se recentemente a favor da união homoafetiva, o que causou bastante alvoroço na comunidade cristã em geral. Em entrevista à revista “Carta Capital”, declarou que por ser o Brasil um país laico, suas concepções religiosas não podem intervir no ordenamento das leis, “Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda”, declarou. A posição custou-lhe a demissão de uma publicação evangélica para a qual escrevia há mais de 20 anos.

Quem também tomou partido da discussão foi o já famoso por lutas sociais Frei Betto, adepto da teologia da libertação. Em seu blog pessoal, publicou artigo no qual assinou “São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização”.

Mas para tratar de uma decisão histórica como esta, se faz também necessário um levantamento histórico-social sobre a questão da homossexualidade, não apenas no Brasil, mas como um todo. De antemão, vale lembrar que o tema sexualidade por si só sempre veio carregado de tabus, talvez por isso tanta dificuldade em aceitar o “diferente”. Mas o que vem a ser diferente? Essa questão enseja inúmeros diálogos, pois parte de um pressuposto sociologicamente validado. Tudo aquilo que foge dos “padrões” pré-estabelecidos é diferente, ou seja, tudo que se situa fora dos estereótipos acaba sendo rotulado de “anormal”, e conseqüentemente, alvo de preconceito.

Desde o final dos anos 1970 essas inquietações atuais em relação a processos de naturalização das diferenças e fechamentos identitários figuram no campo intelectual brasileiro. As discussões embasadas em estudos de autoras como Judith Butler, filósofa pós-estruturalista e Eve Sedgwick, teórica que voltou suas pesquisas aos estudos de gênero, ambas norte-americanas, apontavam para a perspectiva de que o estudo da sexualidade, e especificamente da produção social do dualismo hétero/homossexualidade mais do que um meio de revelar experiências silenciadas, oprimidas e marginalizadas, era uma chave para o entendimento das convenções culturais e das estruturas de poder mais amplas.

Se há tempos atrás até o divórcio era tido como uma transgressão, a homossexualidade era intolerável, considerada doença, mazela social. Daí o uso do sufixo “ismo” até o ano de 1985, quando deixou de constar do art. 302 do Código Internacional das Doenças - CID - como uma doença mental, passando ao capítulo Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais. Na última revisão, de 1995, ganhou o sufixo “dade”, que significa modo de ser.

Para Steven Seidman (1996), embora “grande parte dessa sociologia procurasse retratar os homossexuais como vítimas de uma discriminação injusta”, ela teria contribuído ao mesmo tempo “para a percepção pública do homossexual como um tipo estranho e exótico, em contraste com o heterossexual normal e respeitável”.
Essa concepção fundamentalista da sociedade é em grande parte reflexo de um pensamento religioso que aos poucos vai perdendo a força graças também à abertura da mídia nos últimos anos, que passou a incluir em seus jornais, telenovelas, filmes e demais mídias a discussão acerca do tema. Assim, diferença, diversidade, pluralismo e hibridismo figuram entre os temas mais debatidos e contestados hodiernamente com o advento das redes sociais virtuais.

Para a jurista Maria Berenice Dias, a questão das uniões estáveis homossexuais é um fato social que nenhum estado contemporâneo pode ignorar, pois não se trata de um fato isolado, ou a frouxidão dos costumes como querem os moralistas, mas a expressão de uma opção pessoal que o Estado deve respeitar.

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